Conta-se que, num
passeio pelas ruas, de carruagem, em plena Revolução Francesa, Maria Antonieta
perguntou ao seu cocheiro porque aquelas pessoas pareciam tão miseráveis. Ao
ouvir que não tinham pão, dizem que disparou a famosa frase, que a fez entrar
para a História de forma não tão nobre: “Se não tem pão, comam brioches”.
No Brasil Império,
antes de qualquer sinal de saneamento básico, negros escravizados carregavam
pelas ruas os dejetos produzidos pelas casas abastadas. Os tonéis com urina e
fezes para serem despejados eram levados nas costas e a amônia e a ureia que
escapavam os marcava com manchas brancas, daí a denominação tigre.
Em meio à pandemia de
coronavírus, os que podem permanecem em suas casas, em isolamento social. Pelas
ruas, também são vistas situações desgraçadas. Algumas iguais às do final do
século XVIII na França ou às do século XIX no Brasil.
Pessoas em situação de
rua, com fome, sem ter onde lavar as mãos, a medida mais básica para prevenir a
contaminação pelo COVID-19.
Homens negros de
bicicleta ou moto carregando embalagens com comidas, dos restaurantes e
lanchonetes para as casas. Com pressa, celulares nas mãos e, nas costas,
mochilas vermelhas, laranjas ou azuis – as bags. Sem qualquer material para
higienização, seja das mãos, das bags ou das bikes. Expostos, de peito aberto,
ao coronavírus e também potenciais vetores de disseminação.
Segundo o relatório
produzido pela Aliança Bike, sobre o perfil típico do entregador ciclista de
aplicativo, “Ele é brasileiro, homem, negro, entre 18 e 22 anos de idade e com
ensino médio completo, que estava desempregado e agora trabalha todos os dias
da semana, de 9 a 10 horas por dia, com ganho médio mensal de R$ 992,00”.[2]
Os aplicativos que
usam o trabalho dessas pessoas dizem não ter qualquer responsabilidade sobre
sua saúde ou segurança. Afinal, não são seus empregados, mas “colaboradores”,
“usuários” da plataforma digital. Tanto quanto qualquer um de nós quando, do
alto de nossos apartamentos, faz um pedido de comida pelo delivery, escolhendo pizza,
hamburguer ou sushi. Da mesma forma, os entregadores podem escolher livremente,
diletantemente, acessar ou não o dispositivo para trabalhar. Só que o cardápio
para eles, no momento, é bem restrito: correr o risco de se contaminar pelo
COVID-19 ou passar fome.
É como dizia o
escritor francês Anatole France: “A majestosa igualdade das leis, que proíbe
tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de
roubar pão”. Ou como pode dizer qualquer motoboy paulistano: Mano do céu!!!!
1 -Christiane Vieira
Nogueira é Procuradora do Trabalho em São Paulo e Sócia-Fundadora do Coletivo
por um Ministério Público Transformador (Transforma MP).
2-
http://aliancabike.org.br/pesquisa-de-perfil-dos-entregadores-ciclistas-de-aplicativo/
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